Curso de Astronomia em análise
“O céu à noite sempre me fascinou”
João Roldão e Pedro Russo
O curso de Física / Matemática Aplicada (Astronomia) nasceu em 1984. Com apenas dez anos, a democracia portuguesa soltava os seus primeiros lampejos de independência científica, e pegando nesse forte impulso, o Porto lançava-se ao desafio de formar astrónomos. Em 2002, já se haviam licenciado em Astronomia, pela Universidade do Porto, 94 alunos.
Actualmente, o curso é o único do país. Tendo em conta a média europeia – 100 astrónomos profissionais por país –, Portugal tem ainda um caminho longo a percorrer. João Lima, professor na licenciatura e um dos primeiros licenciados do curso, recorda que “só existem 50 a 60 astrónomos profissionais e é preciso mais gente”.
Com a implementação do Processo de Bolonha muito vai mudar nas universidades portuguesas. Teresa Lago, “fundadora” do curso, assegura que isso não constituirá um problema para o futuro da formação em Astronomia, “pese embora estar tudo à espera de uma clarificação da faculdade sobre o modelo a adoptar [4+1 ou 3+2] ”. João Lima afiança que “o resultado final não será dramaticamente diferente. O curso acomodar-se-á a um ou a outro modelo”
No entanto, o funcionamento bidepartamental do curso, descoordenado segundo os alunos, tem fomentado a criação de alguns problemas. A enorme dependência financeira dos departamentos em relação ao número de alunos que estão sob a “sua alçada” é um factor determinante. Astronomia constitui, com os seus 20 alunos por ano, uma forma de subsistência e equilibro de contas, quer para Física, quer para Matemática Aplicada.
Miguel Costa, coordenador da licenciatura pelo departamento de Física e licenciado em Astronomia, refere que para solucionar alguns dos problemas inerentes ao curso, “deve ser acatada a recomendação da comissão de avaliação pedagógica - avaliou há pouco tempo o curso - que sugere a aplicação de um sistema de rotatividade nos coordenadores de licenciatura”. Neste momento, apenas o coordenador do lado da física vai variando, pois a coordenadora pelo departamento de Matemática Aplicada mantém-se no cargo desde o início.
Teresa Lago refere-se ao curso como uma “mais-valia inequívoca”, sustentando a sua opinião no internacionalismo (a dinâmica das organizações internacionais das quais Portugal faz parte ao nível da Investigação em Astronomia), na interdisciplinaridade (o domínio desta ciência depende de conhecimentos muito sólidos em Física e Matemática) e na formação como seres humanos – “os licenciados em Astronomia interiorizam a medida adequada enquanto pessoas no Universo”
Este ano, será de excepção para o curso de Astronomia, já que se licenciarão cerca de 12 alunos. O número é quatro vezes superior à média anual de creditações.
Críticas dos alunos
Os alunos mostram-se descontentes com algumas incongruências da licenciatura que frequentam. À já focada descoordenação bidepartamental, juntam a falta de disciplinas proeminentemente de astronomia nos dois primeiros anos (excepção feita à cadeira de Elementos de Astronomia, o plano de estudos centra-se na aprendizagem de ferramentas sólidas em matemática e física), a inadequação dos laboratórios de física às necessidades da licenciatura e a inexistência de disciplinas observacionais até ao quarto ano. Pedro Avelino, professor do departamento de física e igualmente licenciado em Astronomia, discorda da opinião de que a licenciatura deva ser reforçada com cadeiras mais ligadas à astronomia propriamente dita nos primeiros anos, pois “é muito mais importante a construção de uma base sólida em matemática e física”
Teresa Lago adianta que “para utilizar telescópios do ponto de vista profissional, é preciso saber o que se está a fazer. Ora isso não impede aulas de observação e estamos a preparar essa alteração”.
Saídas profissionais
As saídas profissionais são um dos principais factores que levam os alunos a escolher um curso superior. Em Astronomia essa razão quase nunca aparece. Para Joana Ascenso, licenciada em Astronomia, o facto da “astronomia tocar tantas áreas do conhecimento e envolver as tecnologias mais avançadas faz com que seja uma ciência […] com infinitas possibilidades”. Alexandre Aibéo, também licenciado em Astronomia, tem uma ideia um pouco distinta, “ se soubesse o que sei hoje nunca teria ingressado na licenciatura de Astronomia". A escolha de um outro curso, “com um centésimo do esforço dispendido neste”, teria aberto mais possibilidades de emprego, afirma.
Segundo dados disponibilizados pelo departamento de Matemática Aplicada, referentes aos licenciados no período de 1988 a 2002, quase um terço dos alunos (29%) não se encontra a efectuar um pós doutoramento, um doutoramento ou um mestrado, nem é docente já doutorado. Contudo, João Lima desdramatiza a situação justificando que “a maior parte sai para trabalhar em astronomia”. Teresa Lago partilha o ponto de vista e acrescenta que “não tem existido uma grande variação do perfil do caminho escolhido pelo licenciado”. No que diz respeito a esta temática das saídas profissionais, os alunos mostram-se optimistas, pese embora o facto de reconhecerem que é preciso procurar bem – “não te vem cair nada às mãos, mas se procurares arranjas, principalmente no estrangeiro” assegura Daniela Gonçalves.
João Lima refere que “no início, quando as estruturas de apoio não existiam, era mais díficil um aluno prosseguir os estudos pós-licenciatura em Portugal. Actualmente se o aluno quiser ficar cá a tirar o doutoramento pode, mas é sempre mais interessante sair para o estrangeiro”. Teresa Lago, por seu lado, garante que “a política de quem dirige o curso é empurrar os recém-licenciados lá para fora. Na sua opinião “a saída é saudável, possibilita abertura de horizontes e abre janelas de oportunidades”.
Desilusão, saudades e medo do futuro: percursos diferentes
Alexandre Aibéo, que iniciou os seu estudos na licenciatura em 1993 “fascinado pelas Astronomia” e completou-os em 1998 com uma certa normalidade, é critico em relação ao comportamento da Faculdade - “ o apoio da instituição era nulo quando não era no sentido negativo”. José Silva também tem a mesma visão da Faculdade de Ciências, mas mais acutilante: a forma como a FCUP tratou o curso desiludiu-o e foi a principal razão para a sua desistência nos primeiros anos, “o curso é tratado como um parente menor, uma bizarria”. Ana Leitão, recém-licenciada, vai mais longe nas críticas e diz-se “muito desiludida” com o curso. “Os alunos de astronomia são, regra geral, bons alunos e pessoas com interesses variados, mas a maior parte daqueles que sentem a astronomia desde pequeninos acabam por sair frustrados“, acrescenta. Numa ideia certamente transversal a muitos cursos e muitas pessoas nas universidades portuguesas, Ana sentiu-se desamparada. Uma boa medida, refere,”seria a implementação de um sistema de tutores”.
Porém, segundo o Alexandre, “o curso transmitiu competências que têm sido extremamente úteis na vida profissional, bem mais do que as de licenciados em outras áreas”. São as competências e multidisciplinaridade da licenciatura em Astronomia que ainda a tornam competitiva na área científica. As áreas em que um licenciado em Física/Matemática Aplicada (ramo Astronomia) pode exercer funções são vastas, desde a física teórica, experimental, de altas energias e até instrumental, passando pela matemática pura e aplicada, geofísica, finanças, engenharia e todos os domínios onde a matemática ou a física tenham um papel fulcral.
A carreira académica de Alexandre Aibéo é um exemplo dessa transversalidade. Depois da licenciatura em Astronomia, “estava farto da área” e achou que “prosseguir estudos na mesma não me daria mais hipóteses de emprego do que as escassas que já tinha”. Seguiu-se uma passagem por uma bolsa de investigação na área de engenharia mecânica e um mestrado na mesma área, “ a experiência foi muito proveitosa”, revela. Agora é professor no Instituto Politécnico de Viseu, no departamento de engenharia, e aluno de doutoramento em Astronomia. “Ao fim de três anos em engenharia as saudades de astronomia começaram a apertar” conclui.
Para Joana Ascenso, aluna de doutoramento na maior organização de astronomia na Europa - Observatório Europeu do Sul -, a astronomia continua a fasciná-la e a surpreendê-la. Mas a insegurança ainda não desapareceu - “ considero a hipótese de me vir arrepender [de ter seguido uma carreira em Astronomia] quando acabar o doutoramento e sentir que Portugal não estar preparado para a ciência. Talvez quando chegar a isso me arrependa de ter escolhido um caminho pouco convencional.”
Oportunidades
Os novos desafios da ciência em Portugal têm surgido de uma forma acelerada. A participação no ESO, na Agência Espacial Europeia-ESA e no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear – CERN do nosso país tem aberto horizontes de trabalho em áreas em que não há tradição em Portugal. Os jovens astrónomos portugueses têm-se apercebido destas oportunidades e tentam a sua sorte com os restantes colegas europeus. Uma carreira ligada à Astronomia é, cada vez mais, um trajecto que é necessário alicerçar no estrangeiro nos diversos programa existentes.
Mais informações: http://www.adi.pt/3400.htm
O conselho
Quando alguns jovens me perguntam se devem ser astrónomos ou físicos eu pergunto-lhes: «Gostas de matemática? A matemática para ti é divertida ou é uma chatice?» Se é aborrecida, digo-lhes para não perderem o seu tempo. Com a ciência pode ter-se uma vida decente, mas não se fazem milhões, e temos muitos anos de estudo, dez ou mais, com imensa matemática e muita física.
Hubert Reeves em entrevista ao expresso em 2002
À procura de água e vida em Marte
A missão Mars Express é a primeira da Agência Espacial Europeia (ESA) para outro planeta do Sistema Solar, foi lançada em 3 de Junho de 2003 e chegou a Marte no dia 25 de Dezembro do mesmo ano.
O projecto tem uma duração oficial de 2 anos, mas segundo Marcello Coradini( Director cientifico da ESA para o Sistema Solar) a “missão vai continuar por mais dois anos”. A justificação é simples: “o que nos dá boa ciência tem que continuar”. Especialmente agora que há uma oportunidade de abrir o radar que vai “penetrar” pela primeira vez pela superfície marciana. O objectivo é provar a existência de água no estado líquido no subsolo. Segundo Vittorio Formisano, o investigador principal do PFS, “é necessário perceber o que há abaixo da superfície, as pistas sobre a evolução da vida em Marte podem estar ai”.
A reunião do instrumento PFS (Planetary Fourier Spectrometer) que está a bordo da sonda espacial Mars Express, decorreu em Espinho dias 29,30 e 31 de Março, contando com a presença de mais de 30 cientistas europeus, norte americanos e japoneses que fizeram o balanço das últimas descobertas e resultados do instrumento PFS. É uma reunião bianual que se realizou em Portugal pelo facto de um grupo de astrónomos portugueses estar envolvido, pela primeira vez, no tratamento de dados da missão. O projecto MAGIC, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, envolve uma dezena de cientistas portugueses e tem como objectivo a análise dos dados da sonda Mars Express. Vai utilizar, entre outros, os dados do PFS para analisar as propriedades térmicas da superfície de Marte e participar na análise de espécies químicas menores (como o metano) na atmosfera marciana.
Os objectivos do investigador principal do PFS são, no entanto, bem mais ousados: “é necessário levar a vida até Marte. Realizar uma experiência que permita analisar a vida nos recursos ali existentes”.
Big Rip
A cosmologia moderna tem passado as últimas décadas a trabalhar em modelos para a compreensão da criação, evolução e final do Universo. Os modelos apresentados parecem saídos da literatura de ficção científica: matéria escura, energia de vácuo, energia escura.
Ao que parece, de toda a energia que conhecemos, 5 % consiste em matéria “familiar”, 25% em matéria escura (matéria detectada pela sua acção gravítica nas galáxias, estrelas e gás interestelar) e os restantes 70% em energia negra (espalha-se uniformemente por todo o Universo).
Se o acima mencionado parece bizarro, as implicações do modelo ainda o são mais. Sob a influência desta energia escura, a expansão do Universo (demonstrada em 1920 pelo astrónomo norte-americano Edwin Hubble) poderá acelerar, tornando-se tão violenta que tudo se separará, a luz das estrelas, as rochas, os animais e até os próprios átomos. Os autores desta “estranha” hipótese calcularam que tal acontecerá daqui a 2x1010 anos.
Até lá, novas teorias vão aparecer e o nosso futuro poderá ser reescrito. Ou não.
Mais informações: http://www.newscientist.com/news/news.jsp?id=ns99993461
Marte sempre despertou a nossa atenção, são várias as referências culturais: banda desenhada, cinema, literatura de ficção científica, etc. Mas desde que o astrónomo italiano Schiaparelli, no séc. XIX, apontou para a existência de uma civilização em Marte, a questão da vida em Marte despertou o interesse na comunidade científica.
É claro que a teoria actual anda longe da imaginação fértil de Schiaparelli – observou características geológicas em Marte que pareciam canais construídos por seres inteligentes. A procura de provas para a existência actual ou passada de vida em Marte tem ocupado um grande número de químicos, biólogos, bioquímicos, astrónomos e astrobiólogos. A presença de metano (CH4) na fina atmosfera de Marte parece ser um resultado satisfatório desta procura.
Alguns grupos de investigadores apontam para 250 partes por mil milhões deste gás na atmosfera marciana, o que é um resultado elevado e inesperado. O metano é um biomarcador muito importante. Alguns microrganismos são responsáveis por uma parte substancial do metano na nossa atmosfera. Por processos fotoquímicos o metano é destruído – sem uma contínua produção rapidamente desapareceria da atmosfera. Sendo evidente a sua presença na atmosfera de Marte, só falta agora encontrar o processo responsável.
Mais informações: Formisano et al., Detection of Methane in the Atmosphere of Mars, Science 2004 306: 1758-1761